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quarta-feira, 8 de abril de 2020

Entrevista | Roberto, um Senhor jogador que foi traído pelas lesões


TEXTO: JOÃO CARLOS LOPES | FOTOS: DR

“Não dá para imaginar como seria a minha vida sem o futebol”

Roberto é um nome sobejamente conhecido no Concelho de Fafe, pelas pessoas da sua geração , por gerações subsequentes e por muitos veteranos de Portugal e estrangeiro, pela qualidade, entrega, abnegação, atitude e pela raça diabólica com que jogava e ainda joga pelos veteranos da UD Fafe A60. A sua história de atleta é incrível, porque teve três lesões graves num curto espaço de tempo, lhe disseram quem nunca mais podia jogar e ele, com força de vontade e espírito de sacrifício, conseguiu voltar e desfrutar do futebol com alegria. Não fossem as lesões e podíamos estar a falar muito provavelmente de um jogador, pelo menos, de grande nível nacional. Tinha os ingredientes todos para ser um jogador de craveira, os quais foram limitados quando partiu a perna e teve roturas de ligamentos em ambos os joelhos. Ainda assim, não desistiu, caiu e levantou-se várias vezes e, aos 50 anos, ainda encontra no futebol, tal como na sua família uma das grandes razões de viver, porque é um apaixonado por esta modalidade que o embriaga e extasia de forma suprema. Fora de campo é amigo do amigo, sempre pronto a ajudar, um verdadeiro Senhor, que aplica na vida os princípios do futebol, mas de uma forma mais calma e moderada.  
 
NOME: Carlos Roberto Araújo Teixeira
IDADE: 23/4/69 (50 anos)
PEOFISSÃO: Agente comercial
Naturalidade Rio de Janeiro - Brasil
CLUBES:  Kapas da Feira velha (79/82); AD Fafe (Formação 82/86); AD Fafe (Sénior 86/88); CD Celoricense (88/89) FC Lixa (89/91); AD Fafe (91/92); FC Lixa (92/93); Antime (93/94); FC Lixa (94/95); “Os Sandinenses“ (95/98); AD Lousada (98/99); Vieira SC (99/00) FC Vilarinho (00/01); ACD Pica (01/03) e Veteranos da UD Fafe (04/2020).

Fale-nos um pouco da sua infância

- Os meus pais foram emigrantes no Brasil de 60/77, onde eu e a minha irmã nascemos. Quando regressaram a Portugal, e sendo de Fafe, estabeleceram-se comercialmente na tasca do Antigo José Luís Mota. Como morávamos em Moreira do Rei, vinha de manhã com eles para a tasca. Depois da escola e de ajudar a servir os almoços, juntava-me na esquina do Zé Luís Mota com cerca de 15 miúdos para “inventar” o que fazer. Naquela altura tínhamos várias opções e eu brinquei imenso.

Onde e com que idade começou a jogar futebol? 

- Como todas as crianças, o amor pelo jogo nascia nas ruas e nos intervalos da escola. Num desses intervalos, no antigo Ciclo da Granja (Escola Preparatória), num joguinho fiz 7 golos e quando acabou a escola, o Carlitos (foi jogador e treinador do Fafe) levou-me à loja do Senhor Inácio, porque, segundo ele, tinha que jogar nos “Kapas“.
 
Teve sempre vocação para defesa ou jogou noutras posições?

- Quando comecei era avançado, contudo quando os “Kapas” entraram num torneio de futebol de salão no Grupo Nun’Álvares, houve necessidade de jogar mais atrás, pois à frente jogavam o Artur Jorge e o Carlitos. Depois, joguei sempre a central, à excepção de um ano que jogava a trinco no FC Lixa. Quando tinha 20 anos, corria muito, agora nos veteranos e já com 50 anos arrasto-me.

Praticou mais algum desporto além do futebol?

- Não, o futebol foi a minha única paixão como praticante no desporto, e como as coisas corriam, não pensava em alternativas. Como espectador admiro quase todas as modalidades desportivas pela sua envolvência e pelos momentos de excelência que proporciona. 

Como foi a sua formação?

- A formação, na altura, era diferente. Não havia transporte para todos. O “paizinho” não ia ver os treinos, e nem sempre esperava. Quando isso não acontecia, ia a pé para Moreira de Rei ou ficava a dormir na tasca. No ano que comecei a minha formação no Fafe, coincidiu quando tiraram a iluminação do Estádio. O treinador era o Professor Barros, mas, devido a várias circunstâncias, poucos treinos tínhamos.
Mais tarde apareceu um senhor incrível chamado Gervásio Von Doellinger, que dentro da sua maneira de ser, revolucionou a motivação das camadas jovens.

Chegou a ser chamado aso seniores enquanto juvenil?

- Com 16 anos já treinava algumas vezes com os seniores e jogava na Taça AF Braga, uma espécie de campeonato de reservas, cujos jogos eram sempre a meio da semana. Nessa altura os treinadores eram o Nelinho Barros e o Manuel Duarte. Sentia uma emoção incrível por estar ao lado de jogadores como o Castro, Guedes, Horácio, Tó Lima entre muitos outros. No ano seguinte, era júnior, mas treinava com os seniores. Nessa época o treinador era o Professor Neca e nessa temporada sagramo-nos campeões distritais de juniores.

Foi convidado para jogar noutro clube enquanto esteve na formação?

- Não. Nessa altura, não era muito normal. Houve algumas exceções, mas comigo, nunca houve outro convite de clubes de fora.

Como foi o seu percurso enquanto sénior?

- Foi uma enorme confusão. Comecei muito cedo a jogar e tinha esperança de passar a vida toda a jogar na AD Fafe. No entanto, na pré-época em de 1988/89 estávamos nós em estágio na Gandarela, e quando obtiveram confirmação que o Fafe jogaria na 1.ª Divisão o treinador José Rachão deu-me a “guia de marcha”.

O Fafe facto do Fafe ter subido à 1.ª divisão foi o pior que me podia ter acontecido na carreira. Acabei por ir para o Cd Celoricense com o Mister António Valença, ao qual estou muito grato porque me ensinou imenso. Lá fiz um campeonato incrível e saltei para o FC Lixa, que tinha outra dimensão. Voltei a fazer um campeonato muito bom, até ter o valente azar de partir a perna num treino, precisamente no dia dos meus anos. Quando fui trocar de gesso o Dr. Antão brincou comigo, a dizer que o pé nunca mais ficava direito, porque era o esquerdo. Quando fiz o Raio X, para ver como tinha evoluído a recuperação, o osso não estava no lugar. Partiram-me novamente a sangue frio e engessaram-me com o pé torcido. 
Entretanto surgiu o serviço militar obrigatório, do qual fui dispensado, mas não fiz uma recuperação como devia. Só voltei a jogar dia 11/11/90 na 11.ª jornada, em Rebordosa.

Volvidos uns jogos, já tinha perdido o medo, e lembro-me dum adepto do Lixa me pedir, por favor, para jogar com calma. A lembrar-me que tinha partido a perna, pouco tempo antes.
Depois de tanta vontade e determinação acabou por voltar ao Fafe?

Como fiz mais um bom campeonato no Lixa, voltei para a AD Fafe e tinha alcançado o meu objetivo de voltar ao clube que queria. Porém, na terceira semana de treinos, torci o joelho. Depois de várias consultas amadoras, fui a um especialista a Espinho, Dr. Leitão, juntamente com o Agostinho (também jogou e treino a AD Fafe).

Ao fazer-me o diagnóstico o médico disse logo que nunca mais jogava futebol, o que confirmou com uma ressonância magnética que na altura só se este exame no SMIC da cidade do Porto. Verificaram que tinha uma rotura do ligamento cruzado posterior, do joelho esquerdo. Na altura, era uma lesão rara, ninguém garantia que a após a operação ficasse bem. Nunca desisti. Treinei meses sozinho, com as lágrimas nos olhos, mas sempre com esperança, até conseguir jogar outra vez, embora limitado. Acabei por voltar para o Lixa, onde fiz os jogos todos até ao antepenúltimo, quando tive outra rotura do ligamento cruzado posterior, no outro joelho. Deixei de jogar e fui trabalhar na Fábrica da Kibanga.

Mas acabou por não resistir e voltou?

- Estive sem jogar até o Jorge Marinheiro (actual presidente do  OFC Antime) ter-me convidado para jogar no Antime, mas só quando conseguisse e me sentisse confiante. Mais tarde acabei por me despedir do trabalho e voltei a treinar como um louco, para voltar a jogar. Regressei mais uma vez ao Lixa e nessa altura a minha vitória era não cair enquanto corria. No ano seguinte fui para “Os Sandinenses“, onde encontrei um grupo fantástico. Depois de ter vivido um pesadelo, voltava a levantar-me e desta vez para ser campeão Nacional da 3.ª Divisão contra o Lourinhanense, equipa que na altura era filial do Sporting CP.

Não sentida dores quando jogava?

- Havia alturas que tinha imensas dores. Chegava mais cedo que todos para não me verem a descer as escadas. No ano seguinte fui para a AD Lousada, naquele que foi um ano horrível. Depois de ter estado na equipa de “Os Sandinenses” era difícil não estranhar outro clube. No Lousada lembraram-se de fazer um jogo entre a direção e os jogadores. Como mesmo nos jogos a brincar não gosto de perder fiz um carrinho ao presidente, caiu mal e quando se pôs a pé, queria-me bater. No lance seguinte, deu uma cabeçada... no meu cotovelo. Nesse ano comecei a trabalhar na zona do Porto, e seguiram as equipas do Vieira SC, o FC Vilarinho e a ACD Pica.

Porque deixou de jogar?

- Às vezes era complicado chegar a tempo aos treinos, mas nunca faltei. Deixei de jogar quando vi a minha esposa a vomitar e fui para o treino. Aí acabou. Mas acabou quando eu achei que devia, e não quando os médicos disseram.

Fez golos ao longo da sua carreira?

- Sim, sempre fiz. Principalmente, de cabeça, pois subia sempre no terreno para ir aos cantos e bolas paradas e consegui fazer muitos.

Quais as maiores alegrias da sua carreira?

- Tive várias. Fui campeão pelos juniores da AD Fafe, Clube onde subi à 1.ª Divisão Nacional (I Liga) como sénior. Subi à 2.ª Divisão Nacional com o FC Lixa e fui Campeão Nacional da 3.ª Divisão com “Os Sandinenses“. Além destas conquistas, o meu regresso ao Fafe em 1991, foi uma grande alegria.

E as piores recordações?

- Foram sem dúvida as lesões. Parti a perna no dia 23/4/1990, tive rotura de ligamento cruzados posterior, joelho esquerdo no dia 06/08/91 e tive outra rotura do ligamento cruzado posterior no joelho direito, no dia 16/5/93. Em três anos tive três lesões muito graves que me limitaram imenso, fisicamente e mentalmente. Houve várias vezes, durante uns minutos, que não sabia em que joelho devia colocar a joelheira. Doíam-me os dois, mas só usava uma joelheira para disfarçar a dor e as limitações físicas.

Não fossem as lesões e podia ter chegado longe?

- Na altura da formação tinha tudo para dar certo. Tinha qualidades, tinha vício, tinha nervo e fazia vida para jogar. As lesões não ajudaram. Se elas não aparecessem como seria? Ninguém consegue responder, mas mesmo assim foi muito bom. De certeza que seria muito melhor, mas foi como foi e estou grato por isso.

O que tem sido o futebol para si?

- O futebol tem sido um companheiro de vida. Dei muito da minha vida ao futebol, mas ele retribuiu-me, muitas vezes. O futebol, durante algum tempo, foi a minha vida. Não dá para imaginar como seria a minha vida sem o futebol. Dediquei-me de corpo e alma. Fiz muitos sacrifícios, mas o dinheiro nunca foi o motivo. Este desporto sempre me encantou, até nos piores momentos. Em criança, ia para a escola com a bola no chão e com revistas de futebol no meio dos livros. Ficava horas a jogar contra a parede do muro no antigo Centro de Saúde da Rua Montenegro.
Muitas vezes, nos jogos da UD Fafe, fico com os filhos dos meus colegas a bater a bola. Sofri imenso, tive imensas dores, mas a alegria de poder jogar, compensava tudo.
Sou um grande conhecedor da história deste jogo, e em casa tenho um pequeno “museu” sobre futebol.
 
Quem foram os treinadores que mais o marcaram e porquê?

- Os treinadores na altura não eram “catedráticos” como os de hoje. Não havia tanta informação nem as condições eram as mesmas. Havia muitos que só sabiam dizer “vamos lá, vamos lá”, e hoje são grandes treinadores de bancada. Então, os treinadores marcavam pelo que conseguiam tirar de nós. O Senhor Gervásio foi muito importante para mim, não em termos técnicos, mas o comportamento que devia ter. Ser humilde, levar o jogo a sério e respeitá-lo. O homem ajudava toda a gente de Fafe e para mim foi e sempre será um grande homem. O Mister Valença ajudou-me imenso na questão posicional. O José Carlos (Magriço do SCP) dizia que eu era dos melhores jogadores que ele tinha visto, a nível posicional. E o Nóbrega (antigo jogador do FC Porto), era uma figura única que eu idolatrava. Uma vez, depois duma derrota, os adeptos do Lixa, foram tratar mal os jogadores e ele subiu a bancada e queria bater neles todos. Foi único este senhor, Deus o tenha em bom descanso.
 
Jogar nos veteranos da UD Fafe o que representa para si?

- Depois de passar a vida a jogar futebol federado, jogar nos veteranos foi o melhor que me podia acontecer. Não tenho vocação para treinador e continuar a jogar, ainda que bastante limitado, é mesmo muito bom. A UD Fafe permitiu-me reencontrar amigos doutros tempos e conhecer muitos que são um privilégio tê-los como amigos. É uma família, em que o patriarca é o Rogério Ferreira, grande responsável pela organização. É uma sorte fazer parte deste grupo. Aproveito para agradecer a alguns pela amizade que temos.

Qual a história que viveu no futebol que mais o marcou?

- Houve algumas histórias negativas ao longo da minha carreira, as lesões graves foram uma delas. No entanto, muito pior que isso, a que marcou mais, foi o desaparecimento do guarda-redes Paulo Rocha, que também era nosso colega nos veteranos. Foi mesmo muito pesado para todos o que lhe aconteceu.

O Roberto jogador é igual ao Roberto como pessoa?


- O Roberto jogador é de um mau feitio incrível. Só quer ganhar, e faz tudo para o conseguir. Era duma competitividade descumunal e ainda o é nos veteranos. Aliás, qualquer joguinho para mim é uma verdadeira guerra. Até no Natal se a minha família jogar às cartas é um filme. Tenho a perfeita noção que às vezes exagero. A minha filha vai dar seguimento a esta filosofia. Aplicação, até nas coisas mais insignificantes e em tudo dar o máximo, o que às vezes até não chega.
Como pessoa, sou igual, mas com muita moderação. Faço tudo pela minha família e pelos meus amigos. Sou muito intenso e valorizo tudo que me rodeia. Preocupo-me só com quem gosto. Não tenho inveja de ninguém, nem sou “puxa saco“, tento ajudar toda a gente. Vivo alegremente e deixo viver.

Ao olhar para trás de que mais se orgulha?

- Tenho muito orgulho na minha história. Estive muitas vezes em baixo e consegui reagir. Caí, mas levantei-me. Passados 29 anos, de vários médicos dizerem que eu não jogava mais, ainda continuo, embora mais devagar. Sempre que jogo, lembro-me disso e valorizo sempre que entro em campo. Dei sempre o máximo, sempre respeitei toda a gente (menos o presidente do Lousada daquela altura, porque ele mereceu). Só fiz amigos. É muito bom quando encontras alguém que não vês há muito tempo e o abraças, recordando esses tempos. Faria tudo igual, não me arrependo de nada. Foi muito bom e estou grato por tudo.  Espero que as minhas filhas assim o façam e deixo um abraço para toda a gente e um agradecimento muito especial a três pessoas que viveram as alegrias e sofreram comigo as tristezas, o Sr. Silvino, a D. Emília e a Elsa.

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