.
Desporto e emoção
.POR: JOÃO CARLOS LOPES
.
Levantei-me ainda mais cedo que o
costume para a concentração junto ao Ginásio Vital, onde me juntei aos
restantes companheiros. As minhas expectativas para a corrida eram as normais,
chegar ao final e não ser o último. No ar algumas provocações, quanto aos que
cada um ia fazer na prova, com as duas lebres a picarem-se mutuamente com
piadas refinadas.
No local da prova, coloquei-me
estrategicamente perto da linha de meta e entabulei conversa com um ex-bancário
que corre com um grupo de atletas que treinam no parque da cidade do Porto,
tendo-me dito que o treinador Domingos Paciência fazia parte do mesmo e que até
ia correr os 15 km
desta prova. Trocamos breves impressões sobre a prova em particular e sobre o
desporto em geral.
Começou a corrida! De repente senti-me
perseguido por um enxame de abelhas, viram que o sangue era fraco e seguiram em frente. O mp3 já estava
ligado ainda antes da partida e ia marcando o ritmo, os “Xutos” lembravam o
homem do leme, ali ao lado e este corredor soletrou: “para quem já nada teme”,
prossegui. Pouco mais do quilómetro um, o primeiro arrepio, um dos jovens que
competia em cadeira de rodas estava a sangrar depois de ter-se despistado,
senti raiva, vieram as lágrimas aos olhos e continuei, já tinha um motivo forte
para não desistir…
A corrida prosseguiu em direcção a
Matosinhos, o vento dava um efeito espectacular à anémona, parecia que tinha
vida, passamos ao lado da meta, as pessoas acumulavam-se ao longo da marginal,
os barcos baloiçavam no rio como que a aprovar o esforço dos atletas, senti-me
ultrapassado por mais umas dezenas de companheiros, não me abalou, a minha
corrida era outra. Lá no alto, a Ponte Arrábida, mostrava a sua imponência.
Ao quilómetro oito sou ultrapassado por um
senhor com uma enorme curvatura nas costas, lá ia no seu ritmo, com a sua
jovialidade própria de quem não teme nada e aceita qualquer desafio. Mais à
frente sou ultrapassado por um miúdo com cerca de 12 anos, que corria ao lado
do pai, esforçando-se para não ficar mal nem deixar desiludido o seu
progenitor. Louvei-lhe a coragem. Eu e o senhor idoso que lhe tocou no ombro,
admirando-o.
Um quilómetro à frente novo homem com
uma enorme “malota” nas costas não desistia do seu objectivo. Esta gente
acredita que é capaz e isso inicialmente emociona-me, dá-me arrepios, faz com
que minhas lágrimas vejam a luz do dia, soluço, recomponho-me e ganho nova
força para chegar ao fim.
Antes passo pelo meu amigo e companheiro
Sérgio, o melhor posicionado do Grupo Vital, vai em esforço mas com forças para
fazer um bom tempo, em sentidos opostos damos aquela estalada com as mãos,
desejo-lhe sorte e continuo. Um pouco atrás vem o Lecas, vai no encalço do
Sérgio, há milhares de pessoas na corrida, mas para eles isso não conta.
Sensivelmente ao quilómetro 11 sou
ultrapassado por um homem que corre com um braço inerte, mais uma demonstração
de querer, de vontade, de perseverança. A mesma perseverança com que tinha
passado por mim já em sentido inverso, com muitos quilómetros de avanço, o
senhor agricultor Rui Pedro Silva, numa velocidade estonteante, parecia uma
flecha, em direcção à meta onde passaria em primeiro lugar.
A cerca de quatro quilómetros do final
sou ultrapassado por uma mulher de nádegas largas e peito grande, não era alta
mas não deixava de ser engraçada, ia no seu ritmo de “zuc zuc” e foi
desaparecendo à minha frente como se houvesse uma neblina. Pouco depois surge
outra atleta, menos cheia, sem rabo nem mamas, meia desengonçada, a fazer pela
corrida e pela vida.
Ao longe ouve-se o som da ambulância, do
outro lado do meu sentido de prova, um atleta de idade deitado a receber os
primeiros cuidados de quem o amparou. Volto a emocionar-me mas prossigo.
Pergunto ao atleta que vai,
momentaneamente, ao meu lado, quantos quilómetros faltam, outro se voluntaria
para me dizer, ao certo, consultou o GPS, três quilómetros e cem metros.
Entabulamos conversa, mais à frente ia o Domingos Paciência, ultrapassamo-lo,
deixei no ar a boca “que estas corridas não deviam ser aos Domingos”, o
treinador sorriu e concordou, cada um seguiu a sua corrida, troquei palavras
com o, agora meu companheiro de corrida, prosseguimos a prova a conversar.
Chegamos ao último quilómetro, meta à
vista. Fomos ultrapassados por três atletas “Vitais”. Disse que não me permitia
ficar atrás deles, simulei que acelerava, mas tinha selado um compromisso de
honra com o meu companheiro de últimos quilómetros, um informático de Gaia, e
deixei-me ir junto dele.
Antes da meta estava toda a claque do
Ginásio Vital a apoiar, senti-me importante, dei até uma volta na estrada como
quem dança o vira, e pouco depois cheguei ao fim. Fiquei satisfeito por cumprir
os meus objectivos. Ganhei a minha corrida e cumpri uma máxima que nos
acompanha: “Correr é saudável. Não desistir é Vital”. Tão vital que estou
pronto para enfrentar o próximo desafio, custe o que custar. Para isso conto
com a amizade e o apoio das Vitaletes e dos Vitalitos.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário