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domingo, 30 de agosto de 2020

Desportos de combate | Entrevista ao Mestre Alberto Costa o campeão invencível de Portugal

No campeonato mundial de Muaythai na Tailândia
ENTREVISTA POR: JOÃO CARLOS LOPES | FOTOS: DR

A nível nacional nunca perdeu um combate de Boxe, Kickboxing ou Muaythai 

- Como treinador conquistou Portugal, a Europa e o Mundo

- “Sinto que ainda não cheguei ao topo da montanha”

Numa altura em que até jogava futebol nos iniciados do Vitória SC, inspirado numa série de televisão denominada “Os jovens heróis de Shaolin” (recorde aqui o theme song), Alberto Costa, agora com 46 anos de idade, descobriu o talento natural que tinha para as artes marciais, o qual veio a ser confirmado por António Ascensão numa demonstração feita quando Alberto se dirigia para um treino da equipa de futebol, na zona do Castelo de Guimarães. A partir daí, com humildade, garra determinação, resiliência, espírito de sacrifício e vontade de aprender sem nunca se dar por satisfeito, predicados que ainda hoje o acompanham, trilhou uma carreira que o levou a ser multicampeão nacional de Kickboxing, Muaythai e Boxe e ainda campeão Ibérico, vice-campeão Mundial e Europeu de Kickboxing, mais do que uma vez. Além disso, venceu inúmeros torneios e galas nacionais e internacionais. Ainda hoje é o atleta da Selecção Nacional sénior mais medalhado de todos os tempos. Como treinador, os seus pupilos, no Vitória SC e na Selecção Nacional conseguiram títulos nacionais, mundiais e europeus. Alberto Costa é vimaranense de gema e trata o Vitória como melhor clube do Mundo mas foi em Fafe que encontrou a sua alma gémea e onde vive há 19 anos. Aliás, a sua esposa e filha também são praticantes de modalidades de combate. Apesar de ter feito um percurso que dificilmente será igualado por alguém, Alberto Costa sente que ainda não chegou ao topo da montanha e que ainda está a subir e não sabe quando irá parar, seja no clube ou na Selecção Nacional. Uma entrevista que nos revela acima de tudo a humildade de um campeão e exímio criador de campeões.  

Com a equipa do VSC campeã nacional de Boxe
De onde lhe veio o interesse pelas artes marciais?

Numa altura em que eu devia ter uns 11 anos, adorava assistir a uma série que se chamava “Os jovens heróis de Xaolin" e, tanto eu como os meus amigos, no final dos episódios saíamos para a rua e na brincadeira lutávamos uns contra os outros a imitar as cenas de combate mas, diga-se, que na maioria das vezes nos magoamos a sério porque ninguém gostava de dar parte de fraco (risos).
Nessa altura, fui jogar futebol para um campo junto ao Castelo de Guimarães porque fazia parte da equipa de iniciados do Vitória e vi um amigo meu mais velho a treinar artes marciais sozinho. Aproximei-me dele e executei um pontapé rotativo à cabeça que o impressionou, por ser a técnica mais difícil de executar de todas nas artes marciais. Ao ficar impressionado pelo talento nato que eu tinha perguntou-me se queria treinar, porque considerou que sem nunca ninguém me ter ensinado eu já executava bem técnicas. Foi assim que tudo começou.

Quem foi o seu instrutor nos primeiros tempos?

O meu primeiro Mestre foi o António Ascensão mais conhecido por Tó, esse mesmo amigo com quem comecei a treinar no Castelo de Guimarães.

Com a equipa do VSC campeã nacional de Kickboxing
Como foi evoluindo até chegar às competições?

Volvidos uns anos de treinos ao ar livre que fazendo chuva, frio ou sol treinei durante cerca de cinco anos, entretanto o Tó foi convidado a ensinar Kickboxing num ginásio em Fafe e posteriormente em Braga. Ao final do dia eu ia ter aos dois ginásios, onde pagava mensalidade mas não tinha dinheiro para o transporte, sendo obrigado a pedir boleia para poder ir treinar. Foram tempos muito difíceis mas que me fortaleceram no carácter e personalidade que ainda mantenho nos dias de hoje. Nessa altura, o Tó foi dar treino para Valongo e passei a assumir as aulas nos dois ginásios, criando uma equipa de atletas. Porque nunca estivemos ligados à Federação Portuguesa de Kickboxing estabelecemos o contacto e fomos bem acolhidos e ajudados, por intermédio de uma pessoa a quem devo muito, o Mestre Joaquim Paulo Moreira, comandante dos Bombeiros Voluntários de Vila do Conde, que me abriu a porta de sua casa para, aos fins-de-semana, me treinar e posteriormente me levar a algumas competições, sendo certo que, com os seus ensinamentos, as venci todas. 

Onde obteve o cinturão negro? 
Com a seleção nacional de juniores
(com a esposa ao seu lado)

Quando iniciei na modalidade não tinha nenhuma graduação e foi ele que me levou a Lisboa para obter o cinturão negro. Fui combater a Mirandela numa sexta-feira com o Joaquim Paulo, venci, cheguei a casa pelas duas da madrugada, às cinco horas o meu pai levou -me a Vila do Conde, seguindo com o Joaquim Paulo para Lisboa, para as dez horas da manhã iniciar o exame de cinturão negro que passei com distinção. Nessa altura fui campeão nacional, cheguei à Selecção Nacional e fiz um percurso de conquistas e sucesso que era exaustivo estar aqui a enumerar.

Porquê criar uma secção de Kickboxing em 2006 no Vitória SC?

Numa altura em que já estava em Guimarães, a ensinar Kickboxing no Desportivo Francisco de Holanda, em que éramos campeões nacionais e vencíamos praticamente tudo, o apoio aos atletas era quase nulo. Foi então que surgiu a oportunidade de entrar no Vitória Sport Clube. Reuni com o Dr. Salgado Almeida, que era director das modalidades do Vitória na época e, duma maneira muito cordial, entro no clube do meu coração e concretizo o sonho de treinar no melhor clube do mundo.

Com a Seleção nacional de Kickboxing no mundial
O Boxe veio devido às características de combate de alguns atletas?

Eu também fui atleta de Boxe no Boavista, durante 8 anos. No final da carreira já era seleccionador nacional de Kickboxing, motivo que me fez desligar do Boxe também porque a modalidade funcionava mal. Decorridos uns bons anos, o António Sousa, na disputa de um título mundial, partiu um perna e após mais de um ano de paragem resolvi, em conjunto com ele, retomar primeiro nas competições de Boxe e depois no Kickboxing e de forma natural fui metendo outros atletas da equipa de Kickboxing também a competir em Boxe e a serem campeões nacionais em ambas as modalidades. Pode parecer fácil conciliar ambas as modalidades mas não é, porque é necessário que seja tudo muito bem organizado para nada falhar.

De que fibra é feita um campeão?

Um campeão tem de ter uma mentalidade muito forte, tem de passar vinte e quatro sobre vinte e quatro horas a viver como um campeão, treinar como um campeão, ser resiliente e mesmo sabendo que tem os seus momentos mais baixos, nunca desiste. Tudo tem as suas variáveis e essa análise tem de ser bem feita por mim para melhorar a performance do atleta em questão. Os atletas são todos diferentes, uns são trabalhados de uma maneira, outros serão de forma diferente. Mas se queres ser um campeão tens de moldar as tuas atitudes como um campeão.

Quantos títulos venceu enquanto atleta?

Com a Seleção nacional de Muaythai no 
campeonato mundial
Fui multicampeão nacional de Kickboxing, Muaythai, e Boxe, campeão ibérico, vice-campeão Mundial e Europeu de Kickboxing, mais do que uma vez. Venci imensos torneios e galas nacionais e internacionais. Ainda hoje sou o atleta da Selecção Nacional sénior mais medalhado de todos os tempos, com seis medalhas. Nunca perdi um combate nas três modalidades que competi em Portugal e tive uma carreira dura mas fazia tudo outra vez da mesma maneira com a mesma alegria e paixão.

E como treinador do Vitória SC e da Selecção Nacional?

Não consigo afirmar todos os títulos porque já são muitos ao longo destes largos anos. No Vitória SC conquistei cinco títulos mundiais, três europeus, vários atletas medalhados ao serviço da Selecção Nacional, imensos campeões ibéricos e um número sem conta de campeões nacionais. Na Selecção nacional, ao longo de 16 anos como seleccionador foram vários campeões mundiais e europeus dos escalões mais jovens, nos seniores dois títulos mundiais, um vice-campeão Mundial, três títulos europeus, várias medalhas de prata e imensas de Bronze.

De que mais se orgulha no percurso que traçou nesta modalidade?

Orgulho-me, principalmente, pelas amizades feitas com os milhares de atletas que passaram por mim e que ainda hoje me escrevem e falam de tudo o que lhes ensinei para a vida.

Com a Taça de Portugal ao lado dos seus pilares
a filha e a esposa (último título conquistado
antes da pandemia)
Como conseguiu envolver a sua mulher e filha no Kickboxing?

Eu conheci a minha mulher numa aula em Fafe quando ela veio fazer um treino experimental, na altura eu era muito disciplinador nos treinos e passava muitos castigos, mas com ela não conseguia e até tinha de me conter para não me rir pela maneira engraçada que ela lidava com as situações. Foi aí que tudo começou, através do conhecimento dos treinos, começamos a namorar. A nossa filha praticamente nasceu numa sala de treino, adora treinar, vai conseguindo conciliar com os estudos, pois quer seguir o curso de medicina e derivado à exigência dos exames vai treinando conforme pode.
Há muitas mulheres a praticar estas modalidades? 
Sim, temos muitas praticantes do sexo feminino e cada vez mais entram mulheres para o Kickboxing e Muaythai.

Tem ao seu dispor todas as condições inerentes ao treino dos atletas ou sente falta de algo?

No Vitória Sport Clube temos uma sala de treino dentro do estádio com as melhores condições a nível mundial para os atletas treinarem, por isso estamos todos gratos a quem nos proporciona esse magnífico ambiente.

Que tipo de pessoas procuram a prática destas modalidades? 

Somos procurados por todo o tipo de pessoas, cada um com objectivos diferentes.
Que valores transmite aos atletas que procuram os seus ensinamentos?
A exercer o cargo de selecionador nacional
de Kickboxing e Muaythay
Tento transmitir valores como a amizade, honestidade, respeito, humildade, responsabilidade, tolerância, coragem, generosidade, dedicação, lealdade, gratidão, perseverança, solidariedade, optimismo e auto confiança. Ter estes e outros valores no nosso dia-a-dia é essencial para que possamos conviver melhor entre todos.

Porque escolheu Fafe para viver e há quantos anos lá reside? 

A minha mulher é de Fafe e quando fizemos planos para casar optamos por ficar a morar em Fafe. É uma cidade bonita, muito calma, as pessoas são cinco estrelas, eu sempre trabalhei em Guimarães e ela em Fafe e achamos melhor ficar a morar em Fafe onde já estou a morar há 19 anos.

Que objectivos tem para a modalidade a nível de Clube e Selecção. 

Os objectivos são sempre os mesmos. Isto já está automatizado. Ajudar as pessoas a sentirem-se realizadas, a realizarem os seus sonhos quer a nível desportivo como pessoal. Desportivamente já conquistamos tudo o que havia para conquistar, mas eu sinto que ainda não cheguei ao topo da montanha, ainda estou a subir e não sei quando irei parar, seja no clube ou na Selecção nacional. 

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